Nós, os Nakajimas
12/07/13 03:00Olhar para o passado é a melhor forma de entender o presente.
No caso dos documentos da F-1 que este colunista recebeu e mostrou nos últimos dias, essa compreensão tem ora tom de decepção, ora tom de alívio.
Vai além das curiosidades. Vai além da reconstituição de uma época marcante. Vai além da exatidão de salários nunca divulgados e da comparação com valores atuais. Tem a ver com a forma como este país vê o esporte, a F-1 em especial.
Os contratos de Senna e de Piquet com a Lotus, disponibilizados na internet pela biblioteca da Universidade da Califórnia, revelam detalhes de uma era que muitos já esqueceram e que outros não viveram.
Quando éramos grandes.
Sim, tanto Senna em 87 como Piquet em 88 e 89 tinham em seus contratos cláusulas que davam a eles status de primeiros pilotos. No caso do primeiro, essa deferência conferia prioridade no uso de peças. No caso do segundo, que negociou com a equipe na condição de bicampeão mundial em luta pelo tri, havia até um “Código de Conduta”.
O outro piloto, Nakajima, era impedido de ultrapassá-lo a não ser que houvesse sinalização expressa.
“Da mesma forma, quando o carro número 2 estiver à frente do número 1, ele vai aceitar ordens dos pits para ceder a posição”, diz o contrato de Piquet, que assegura logo na primeira cláusula que o japonês concordava com tudo.
Familiar? Muito. Não dá para não lembrar de Zeltweg-2002, de Cingapura-2008 ou de Hockenheim-2010, quando estávamos (e ainda estamos) do outro lado. Quando os Nakajimas éramos (somos) nós.
Daí as reações nos cerca de 600 comentários que chegaram ao blog entre terça-feira e ontem.
Muitos acusam desapontamento. “Perdi um ídolo”, lançou um piquetista.
E vários revelam um peso a menos nos ombros, como que vibrando de forma retroativa, jogando para longe o complexo de vira-latas. “Hoje achamos um absurdo. Mas que delícia quando era a nosso favor”, escreveu outro leitor.
O passo seguinte, acredito, é o cair da ficha. É entender a realidade, sem floreios, sem patriotadas, sem torcida, sem chiliques, sem choro.
A F-1 é assim. Já era há 25 anos, continua agora, independentemente de nacionalidades. Em Silverstone e Nurburgring, Grosjean teve que abrir para Raikkonen.
Graças a esses documentos, hoje temos ideia do que está escrito no contrato dos dois. Sabemos o que passou nas cabeças de Barrichello, Nelsinho _que ironia_ e Massa quando ouviram ordens pelo rádio.
Essa é a maior contribuição daquele passado para este presente.
(Coluna publicada nesta sexta-feira na Folha de S.Paulo)